Tratamento da Fratura de Clavícula Diafisária


Introdução
A clavícula funciona como uma estrutura óssea que mantêm o comprimento do ombro, proporcionando estabilidade e um ponto de apoio para o movimento entre o membro superior e o tronco.
As fraturas da clavícula são lesões frequentes e constituem aproximadamente 4% das fraturas no adulto e 35% das fraturas que ocorrem na cintura escapular. 3 ( B )  A incidência na população em geral é de cerca de 86 casos em homens e 44 casos em mulheres para cada 100.000 habitantes 3 ( B ).Aproximadamente 75%  das fraturas da clavícula acometem o terço médio da diáfise 4( B )
Para determinar o melhor tratamento e a evolução das fraturas do terço médio da diáfise da clavícula no adulto devemos incluir uma boa história clínica, um exame físico detalhado e o uso de scores de avaliação funcional com exemplo DASH  ( Disabilities of the arm Shoulder and Hand ) e Constant Shoulder Score (CSS). Durante esse estudo devemos fazer uma avaliação radiológica.
As técnicas operatórias, até a década de 1970, empregadas para tratamento das fraturas da clavícula eram geralmente pinos intramedulares, associados a amarração com fios de aço ao redor do osso. Esses tratamentos eram associados a uma grande desvitalização das partes moles e, consequentemente, maus resultados. 5  ( D )  Na década de 1960 Neer e Rowe relataram o resultados do tratamento não operatório das fraturas de 2235 pacientes e 566 pacientes respectivamente. Esses autores encontraram somente 7 casos de pseudartrose nesse grupo de pacientes tratados não operatoriamente.11 (A)
As fraturas do terço médio da clavícula são tidas como fraturas de tratamento emimentemente não operatório com restauração completa da função na grande maioria dos casos, porém, esse é um conceito amplamente difundido que deve ser questionado a luz dos trabalhos científicos publicados nos últimos anos. 1  ( A )  ( A )  11 (A)

  1. Quais as indicações para tratamento cirúrgico da diáfise da clavícula?
Resposta:  Classicamente, as fraturas diafisárias do terço médio da clavícula no adulto apresentam indicações cirúrgicas absolutas e relativas. As indicações absolutas são: fraturas expostas, fraturas associadas a lesões de pele na região da clavícula e fraturas associadas a lesão vascular e/ou neurológica na região que requeiram reparo.
As indicações relativas são: encurtamento maior que 2 cm, grande afastamento dos fragmentos, fraturas bilaterais, cominutivas, fraturas em pacientes mais velhos, pacientes internados em unidades de terapia intensiva com lesões torácicas, ombro flutuante e pseudartrose. 9 (D) Essas indicações cirúrgicas estão sendo revistas quando levamos em consideração os resultados funcionais dos trabalhos com maior significância estatística publicados nos últimos anos. 11 (A) ( A )  1 (A)

  1. QUAL DEVE SER O POSICIONAMENTO DAS PLACAS NA FRATURA DIAFISÁRIA DO CLAVÍCULA?
Nas fraturas diafisárias da clavícula que não apresentam cominução ou defeito na cortical inferior, a colocação da placa na face superior, produziu maior estabilidade em comparação com as placas colocadas na cortical anterior, valor de P = 0,008. 14  ( A ) Nas fraturas diafisárias da clavícula que apresentam cominução ou defeito na cortical inferior as placas colocadas na cortical anterior se mostraram mais eficientes que as placas colocadas na cortical superior e produziram maior estabilidade com P = 0.025. 14  ( A )

  1. Como deve ser feito o tratamento não operatório da fratura diafisária do terço médio da clavícula no adulto?
Um aspecto importante do tratamento das fraturas do terço médio da clavícula é certificar-se de que a fratura não apresenta desvio ou é minimamente desviada. Isso pode ser observado realizando uma radiografia com o paciente em pé com o membro superior afetado ao longo do corpo e sob a ação da musculatura e da gravidade. 10 (C). Isso permitirá avaliar parcialmente o desvio do fragmento lateral que sofre uma ação grande da gravidade. 8 porém devido a combinação de deformidades axial, rotacional e longitudinal a tomografia computadorizada poderá avaliar melhor essa deformidade.  18 ( C )
Nas fraturas fechadas com fragmentos não desviados ou pouco desviados o tratamento pode ser com tipóia tipo Velpeau ou uma tipóia por seis semanas e o uso em geral é descontinuado com o desaparecimento da dor no local das fratura.11 (A) Não há nenhuma evidência clínica que suporte o uso de imobilizadores que sejam capazes de manter a redução das fraturas de clavícula.  19 ( B )

  1. Qual a relação entre o encurtamento da clavícula e os resultados clínicos do tratamento não operatório?
Resposta: A relação entre o encurtamento da clavícula e o resultado clínico final foi avaliada num estudo longitudinal de longo prazo. Aproximadamente um em cada quatro pacientes com fratura diafisária do terço médio da clavícula no adulto tratados não operatoriamente apresentaram resultados insatisfatórios avaliados pelo Constant Score. 10 (A) Os resultados insatisfatórios estavam relacionados ao encurtamento da clavícula. Pacientes do sexo masculino adultos com encurtamento maior que 18 mm e mulheres adultas com o encurtamento maior que 14 mm apresentaram piores resultados. 10  ( A ). Porém esses autores não conseguiram correlacionar o encurtamento inicial da fratura e o encurtamento final. Contrario a esses achados Novak 1 ( A ) não conseguiu correlacionar o encurtamento da clavícula com resultados insatisfatórios.

  1. Quais as principais complicações do tratamento não operatório da fratura diafisária da clavícula?
Resposta: . As complicações mais frequentes incluem pseudartrose e consolidações viciosas com sintomática ou não. 11 (A)  Encurtamento da fratura,  diminuição da função, dor no ombro e no local da fratura e mudança no posicionamento da clavícula. 22 ( B )

  1. Quais as principais complicações do tratamento operatório da fratura diafisária da clavícula?
Resposta: As complicações mais frequentes no tratamento operatório das fraturas diafisárias da clavícula estão relacionadas com o implante colocado para fixar a fratura. 11 (A)  . As complicações encontradas são deiscência da ferida operatória, infecção, pseudartrose e retardo de consolidação, falência do material de síntese  e irritação local devido a superficialidade do implante. 11 (A), Lesões neurológica e/ou vascular. Podem surgir também dor no local da fratura ou da incisão na pele, dor complexa regional e também nas atividades que necessitem o uso das mãos acima do nível dos ombros.  Na comparação com o tratamento pós operatório a incidência de complicações e maus resultados foram inferiores no grupo de pacientes tratados operatoriamente. 11 (A)

  1. Como deve ser avaliada radiologicamente a fratura diafisária do terço médio da clavícula no adulto.
Resposta: A fratura diafisária do terço médio da clavícula no adulto deve ser avaliada com no mínimo duas incidências radiográficas.  Não encontramos consenso na literatura em relação a melhores incidências para a avaliação da fratura diafisária da clavícula. As principais sugestões são: radiografia em Antero-Posterior simples e Antero-Posterior com raio à 45o cefálico, radiografias perpendiculares a primeira Antero-Posterior com raio à 45 graus cefálico e a segunda à 45 graus caudal. 7 ( C ). Alguns autores sugerem o uso da incidência de PosteroAnterior com raio à 15 caudal para minimizar o efeito de ampliação causado pelo afastamento da clavícula do chassi de raios X. ( C ) O encurtamento da clavícula deve ser avaliado com uma radiografia em Posterior Antero com as duas clavículas no mesmo chassi 10 ( C )

  1. Qual o risco de pseudartrose nas fraturas de clavícula tratadas não operatoriamente?
Resposta: A incidência de pseudartrose nas fraturas diafisárias de clavícula cominutivas e com afastamento dos fragmentos ocorreu em 21% dos casos de Robinson, que tratou 868 fraturas de clavícula consecutivas, sendo 581 fraturas diafisárias. 15 (B) Hill e col. Encontraram resultados insatisfatórios nas fraturas diafisárias de clavícula quando havia um encurtamento maior que 2 cm. 16 (C) . Numa recente meta-análise envolvendo 2144 pacientes a taxa de pseudartrose nas fraturas tratadas não operatoriamente foi de 15,1% contra 2,2% nos pacientes tratados com placa, houve uma redução do risco relativo de 86% de pseudartose com o uso de osteossíntese com placa. 17 (A).

  1. Quais os fatores clínicos e radiológicos que determinam a evolução nas fraturas de clavícula?
Resposta: Nowak et al. 2  ( A ) acompanharam prospectivamente 245 pacientes com fratura diafisária clavícula tratados não operatoriamente, maiores que 15 anos de idade, durante 12 anos. Todos os pacientes foram avaliados clínica e radiologicamente com 11 à 12 anos de evolução. Os autores relataram que somente 54% dos pacientes recuperaram completamente a função ao passo que 46% apresentavam algum tipo de seqüela. A pseudartrose ocorreu em 7% dos casos. Determinaram que o fator preditivo mais importante para o surgimento de seqüelas é a falta de contato ósseo entre os fragmentos da fratura, mais velhos ( não informaram a partir de qual idade os pacientes foram considerados mais velhos ) ou com fratura cominutiva que apresentasse um fragmento transverso ( girado 90 graus em relação ao longo eixo da clavícula ). Não houve diferença de resultados em relação ao sexo. Nesse trabalho o encurtamento e a localização da fratura não foram fatores preditivos para  seqüela a não ser deformidade cosmética. 2  ( A )  Os autores concluíram que pacientes com fatores preditivos de aumento de risco para desenvolver seqüelas, tais com pacientes mais velhos  com fraturas cominutivas, sem contato ósseo ou com fragmento transverso devem ser tratados cirurgicamente. 2  ( A )

  1.    Qual o melhor tratamento para as fraturas diafisárias da clavícula em   
         Atletas operatório ou não operatório?
Resposta: o uso de haste intramedular apresentou melhores resultados clínicos com menor incidência de dor entre os pacientes tratados com haste intramedular quando comparados com os pacientes tratados com imobilização tipo oito com p < 0,05%. 12 ( B) A avaliação da força no membro superior 120 dias após a fratura foi superior no grupo tratado com haste intramedular em comparação com o grupo tratado com imobilização tipo oito com P < 0,01%. Os autores concluíram que o tratamento com haste intramedular nas fraturas diafisárias de clavícula é superior para o tratamento em atletas . 12 ( B) Não encontramos na literatura trabalhos avaliando o uso de placas e parafusos em atletas

  1. Qual o melhor meio de fixação de fraturas diafisárias da clavícula em pacientes maiores que 50 anos
Resposta. O resultado clínico dos pacientes tratados com haste intramedular tipo pinos de Knowles e placas é semelhante após 30 meses de acompanhamento clínico.13(B). O tratamento com pinos de Knowles apresentaram menor tempo operatório P<0,001, menor cicatriz cirúrgica P< 0,001, menor tempo de internação p = 0,04 %, menor uso de anagésicos P = 0,02 e menor sintomas provocados pela material de sintese p=0,015 e concluiram que a haste intramedular apresenta resultados superiores a quando comparado a placa.13 (B). O uso de hastes intramedulares em geral requer uma maior curva de aprendizagem e o uso de hastes intramedulares deve ser sempre precedida por um treinamento criterioso.

  1. Qual o melhor tratamento para as fraturas diafisárias da clavícula operatório ou não operatório?
Resposta. Resultados recentes tem mostrado uma alta prevalência de pseudartrose e falhas de consolidação em pacientes com fratura diafisária de clavícula tratados não operatoriamente. 11 ( A )  Esses resultados tem ressaltado a importância de reconsiderar o tratamento operatório da fratura de clavícula. Em 2007 a Associação Canadense de Trauma Ortopédico realizou um trabalho multicêntrico randomizado, duplo cego com 132 pacientes comparando o resultado do tratamento operatório, utilizando uma osteossíntese com placa e parafusos, e o tratamento não operatório usando tipóia. 11 ( A )   O pacientes foram submetidos a avaliação clinica, Constant Score, DASH Score e avaliação radiográfica após um ano de pós operatório. O Constant Score e Dash Score foram superiores no grupo tratado operatoriamente com P=0.001 e P < 0,01 respectivamente. O tempo de consolidação foi de 28,4 semanas no grupo tratado com tipóia e 16,4 semanas no grupo tratado com placa p=0,001. A taxa de pseudartrose foi três vezes maior no grupo tratado não operatoriamente com p= 0,042. 11 ( A )  Ocorreu consolidação viciosa em aproximadamente 20% dos pacientes tratados com tipóia e nenhuma no grupo tratado com fixação com placa. Com um ano de pós operatório os pacientes tratados operatoriamente estavam mais satisfeitos com a aparência do ombro p=0,001 e com o ombro em geral p=0,002 em comparação com o grupo tratado com tipóia. 11 (A) . Esses resultados sugerem fortemente o tratamento cirúrgico das fraturas de clavícula porém devem ser olhados com precaução, lembrando que foram conseguidos em centros médicos de excelência por cirurgiões experientes. A maioria dos ortopedistas no Brasil realizou treinamento em centro que muitas vezes nunca realizaram uma osteossíntese de fratura diafisária de clavícula e portanto são pouco familiarizados com a anatomia local. O tratamento cirúrgico das fraturas diafisárias de clavícula requer cuidados redobrados devido as características anatômicas da região que tem pouca cobertura de partes moles  o que provoca frequentemente a insinuação do material de síntese sob a pele além do cuidado durante a colocação dos parafusos bicorticais pois a broca pode causar lesão nas estruturas vásculo nervosas que apresentam intima relação com essa região da clavícula, sugerimos o uso rotineiro de brocas com sistema de stop que deve ser regulado previamente a broqueamento.
O tratamento não operatório da fratura do terço médio da diáfise da clavícula no adulto deve ser considerada a primeira opção nas fraturas simples com pouco ou sem desvio. O tratamento operatório deve ser considerado nos demais casos quando os cirurgiões estejam familiarizados com a anatomia da região e disponham de equipamentos e materiais adequados para a realização da osteossíntese.

  1. Qual a explicação para resultados clínicos tão dispares entre os resultados da década de 1970, que indicavam que o tratamento não operatório era superior ao tratamento operatório, e os resultados clínicos atuais que sugerem ser o tratamento cirúrgico superior ao não operatório ?
Resposta: podemos citar várias hipóteses para explicar essas diferenças: os restados dos trabalhos publicados na década de 1960 incluíam crianças que possuem capacidade de consolidação e remodelação própria e isso pode ter esses achados podem ter melhorado os resultados artificialmente. 20 (D) Houve uma mudança na avaliação entre dos resultados clínicos nos últimos 40 anos: na década de 1960 os resultados clínicos eram baseados principalmente nos taxas de consolidação radiológica e os escores de avaliação clínica e funcional que avaliavam o grau de satisfação dos pacientes não eram usados rotineiramente. 21(B) Nas ultimas décadas ocorreu uma mudança na expectativa dos pacientes em relação aos resultados das fraturas sendo que os pacientes atuais tem um grau de exigência muito maior em relação aos resultados funcionais e da resolução rápida da dor . 11 (A) Pode estar havendo uma mudança no padrão das fraturas com uma maior participação de pacientes politraumatizados e com fraturas mais graves causadas por traumas de maior energia. 17 (A) Ocorreu também nas últimas décadas uma popularização das técnicas operatórias com diminuição da lesão de partes moles, profilaxia antibiótica, melhora dos implantes e a fixação das placas melhorou e apresenta resultados reprodutíveis mais constantes. 11 (A)

As letras representam o grau de significancia do trabalho científico
Escrevi esse artigo para o projeto diretrizes da SBOT-AMB em 2008 em Parceria com o Dr. Helio Barroso esse artigo foi publicado no Setimo livro do Projeto Diretrizes da AMB.


Dr. Marcos Britto da Silva
Ortopedista, Traumatologista e Médico do Esporte
Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Atualizado em 29/03/2011

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Dr MARCOS BRITTO DA SILVA - Médico Ortopedista
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
- Médico Ortopedista Especialista em Traumatologia e Medicina Esportiva - Chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Pró-Cardíaco - ex Presidente da SBOT RJ - Professor Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Membro Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte - Médico do HUCFF-UFRJ, - International Member American Academy of Orthopaedic Surgeons - Membro da Câmara Técnica de Ortopedia e Traumatologia do CREMERJ, - Especialista em Cirurgia do Membro Superior pela Clinique Juvenet - Paris, - Professor da pós Graduação em Medicina do Instituto Carlos Chagas, - Professor Coordenador da Liga de Ortopedia e Medicina Esportiva dos alunos de Medicina da UFRJ, - Membro Titular da SBOT - ( Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia), - Membro Titular da SBTO - ( Sociedade Brasileira de Trauma Ortopédico), - Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da UFRJ - Internacional Member AO ALUMNI - Internacional Member: The Fédération Internationale de Médecine du Sport,(FIMS) - Membro do Comitê de ètica em Pesquisa HUCFF-UFRJ.